sexta-feira, 25 de maio de 2012

Trecho da entrevista com Gustavo Gitti

http://nao2nao1.com.br/entrevista-sobre-o-nao2nao1-e-relacionamentos-pra-variar/ 1. Como você define um relacionamento lúcido? Eu evito essa definição porque nossa reação imediata é tentar viver de acordo com modelos e ideais. Mesmo quando são boas referências, essa tendência de comparar o que surge com um modelo de sucesso só traz confusão e sofrimento. Por outro lado, não ter referenciais é igualmente frustrante, especialmente hoje, num momento em que os casais em evidência não oferecem grandes exemplos do que pode ser um relacionamento profundo. Com isso em mente, podemos descrever algumas qualidades possíveis para qualquer casal incorporar em sua própria história, no encaixe que der, do jeito que der tesão para ambos. Uma dessas qualidades é a generosidade, no espaço ocupado normalmente pela carência. Em vez de exigir, esperar, cobrar ou pedir (seja no começo, no meio, no fim ou após o fim da relação), oferecer. Em vez de olhar como o outro pode nos fazer feliz, descobrir como podemos fazê-lo feliz e sentir como isso nos deixa muito bem, como isso dá sentido para nossa vida, dá brilho no olho, energia, potência. Outra qualidade de um relacionamento exemplar (que inspira outros casais) é a ludicidade, a capacidade de enxergar todas as coisas como construções, encenações, sonhos, filmes. Tirar a solidez daquela situação angustiante, se fazer de palhaço no meio de uma briga seríssima, beijar do nada, sorrir para os problemas, inventar mitologias, surrealidades próprias, e sempre lembrar que o casamento, por mais sólido que seja, é apenas uma aura projetada, um filme que criamos e decidimos seguir vivendo, não uma realidade imutável. O outro é sempre livre e mantém uma vida pulsante e misteriosa para além das identidades construídas em sua relação conosco. A mulher é sempre maior que a esposa. O homem pode deixar de ser o marido a qualquer momento. Perceber isso antes que a identidade se dissolva, antes da crise, antes do fim, perceber isso durante a encenação é o que confere essa qualidade lúdica e mágica para a relação se aprofundar e para ambos sempre se surpreenderem com essa loucura que se apresenta como o cotidiano natural, essa alucinação que parece muito real, como um jogo delicioso de criança. Um terceiro aspecto é a abertura, no sentido de não criar regras e não se afastar do outro, mesmo quando estamos distantes. Ou seja, manter o espaço aberto, manter a comunicação mesmo quando dói, mesmo quando tudo nos leva à defesa, ao fechamento. Isso é crucial e raríssimo nos casais. Por exemplo, quando surge ciúme, essa aflição atua como um agente infiltrado que joga um contra o outro: um enxerga o outro como inimigo, como sendo o responsável pelo problema, pelas emoções, pensamentos e sensações negativas que surgem. Alguns pensam que comunicação é “DR” (discutir a relação), mas na maioria dessas conversas só apontamos um para o outro, não para os verdadeiros obstáculos. Manter a comunicação quando tudo vai mal é saber ficar junto no meio da dor, da confusão, da incerteza, da insatisfação. Poucos são os casais que exploram esses terrenos mais escuros. A maioria espana nessa hora – ou, pior, aguenta encarando tudo como um peso, não como um desafio. Quando há abertura, o ciúme não tem paredes para se esconder, então ambos olham o verdadeiro inimigo: a aflição, o ciúme. E eles se unem ainda mais para superá-lo. É como detectar um câncer na relação. O que é melhor: tratar o câncer brigando ou se cuidando? É assim que poderíamos nos relacionar com todos os obstáculos que surgem na relação, venha de onde vier, não importa: do banco, da família, da garagem, da UTI, da pia da cozinha, do homem, da mulher, de um terceiro, de um quarto… ;-)

Nenhum comentário:

Postar um comentário